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Florbela, Não Me
Espanca!
(Silvia Schmidt)
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Ajuda-me,
Florbela, o
coração,
Quando teus versos
leio, mergulhada
No mais profundo abismo do teu nada,
Na tua angustiosa
solidão.
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Ajuda-me, Florbela eternizada
Em cada nota da tua vã
canção.
Que eu não me atreva a por explicação
No que escrevias quando
ensimesmada!
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Ajuda-me,
Florbela, a ler no escuro
Dos teus sonetos o clamor mais
puro,
Que me arrepia a pele e que me
encanta.
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Perdoa-me,
Florbela, incomodar-te ...
Quando eu pranteio sobre essa tua arte,
Compreende-me, Florbela ... Não Me
Espanca!
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Silvia Schmidt
*Humancat*
(Dir.
Aut.
Reserv.)
©2000
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Florbela de Alma Conceição Espanca (1894-1930)
Nasceu em Vila Viçosa e faleceu em
Matosinhos,
na
madrugada
do
seu
36º.
aniversário.(08.Dezembro).
Estudou em Évora, onde concluiu em 1917 o curso liceal, matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
É por essa altura que publica as suas primeiras poesias.
Tendo casado várias vezes e tendo sido em todas elas infeliz, começou a consumir estupefacientes.
Só depois da sua morte é que a poetiza viria a ser conhecida do grande público, tendo contribuído para isso a publicação de Charneca em Flor (1930) pelo professor italiano Guido Batelli.
Das suas obras destacam-se: Livro de Mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923), Charneca em Flor (1930), Reliquae (1931), A Máscara do Destino (1931) e Dominó Negro (contos, 1931).
Na Enciclopédia Larousse, esta poetisa é definida como «parnasiana, de intenso acento erótico feminino, sem precedentes na Literatura Portuguesa. A sua obra lírica, iniciada em 1919, com o Livro das Mágoas, antecipa em seu meio a emancipação literária da mulher». |
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A primeira vez que li SONETOS de Florbela Espanca era ainda muito jovem.
Não podia compreender aquilo que lia, por isso depressa fechei e guardei aquele livro na prateleira, junto a tantos outros, criticando, no fundo, na minha ingenuidade infantil, a pessoa que me havia ofertado tamanha complexidade de letras, quando na realidade eu ainda queria continuar a ler a história da Branca De Neve, da Gata Borralheira e da Bela Adormecida nas suas mais diversas ilustrações.
Depois de muito tempo ali guardado, voltei a folhear esse livro e, então, com um pouco mais de maturidade, a sua releitura fez-me como que sentir, de uma maneira intensa, a mesma dor da poetisa.
Florbela dedica o seu LIVRO DE MÁGOAS àqueles que, como ela, também se sentem torturados, pois só esses poderão compreendê-lo, de senti-lo de verdade. Neste sentido, intitula-o mesmo de Bíblia de Tristes. Isto, apesar de muito triste, possui uma beleza profunda e inegável.
A Poetisa identifica-se completamente com a sua obra. Ela é a sua obra e a sua obra é ela e em quase todos os seus poemas existe uma prova flagrante dessa identificação absoluta.
Florbela Espanca consegue transpor fielmente para o papel todo o seu mundo interior.
É fácil perceber logo desde o início que a dor a persegue constantemente, fruto de amores impossíveis, fruto de dois filhos que ela não conseguiu trazer dentro de si e ainda de um Amor de Mãe que ela nunca conheceu.
Mas também é fácil compreender a sua, talvez, incapacidade de superar essa mesma dor.
Florbela exagera o seu sofrimento e, deste modo, esse exagero passa a ser uma realidade para ela.
A Poetisa possui como que uma predisposição para o sofrimento e por isso cultiva-o, desenvolve-o, deixa-o crescer ainda mais dentro de si, escrevendo e referindo constantemente o passado, insistindo numa recordação saudosista exagerada.
SONETOS de Florbela Espanca é uma lamentação constante.
Tudo é triste, tudo é nostálgico.
A Poetisa escreve sobre o Amor, a Morte, o Ódio e a Dor de uma forma quase chocante, mas ainda assim cativante.
É fácil perceber os símbolos que Florbela escolheu para evidenciar as suas sensações.
Nada foi deixado ao acaso.
O exemplo mais flagrante é talvez o das cores.
O roxo, o preto, o cinzento, aparecem na maioria dos poemas.
Cores tristes que representam o luto, a morte e a solidão.
O preto aparece ainda de outras formas, como em alguns títulos: Nocturno, Noitinha. Sombra, Anoitecer. As flores aparecem também inúmeras vezes.
Flores de cor roxa, como o lírio e o lilás que simbolizam igualmente a dor.
Os próprios títulos dos poemas são à partida alusivos ao estado d'alma de Florbela, como por exemplo: Crucificada, Loucura, Deixai Entrar a Morte, Nostalgia, Saudades, O Meu mal, Alma Perdida, A minha Tragédia, Tortura, Sem Remédio e tantos outros exemplos que poderíamos dar.
Florbela trata a morte por tu e chama-a para si, para assim sarar o seu mal, exclamando no soneto À Morte: Morte minha senhora dona morte, tão bom que deve ser o teu abraço! Dona morte dos dedos de veludo, fecha-me os olhos que já viram tudo! Prende-me as asas que voaram tanto!
Não é fácil compreender tamanhas sensações e sentir-lhes a beleza, mas ela está lá, num ponto que ultrapassa muitos de nós, pois como a própria poetisa escreveu: Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens!
Leiam!!
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SOFIA AZEVEDO
* Aluna do Curso de Português/Francês da ESEV.
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